Artes Visuais

quarta-feira, 10 de junho de 2009

De onde vem o som

Saí de casa pela manhã cheia de sol frio e nada indicava que meia hora depois a chuva viria de vez nesta quarta-feira cinza. Feriado prolongado batendo na porta e a chuva cortinando a minha viagem. Deixe estar. Let it be, let it be. Me vingo contemplando a chuva com alegria, que não adianta sofrer muito, é preciso sofrer bem, como dizia Mário de Andrade. Vou me distrair olhando intimidade alheia, cartas de Clarice Lispector e Fernando Sabino sobre os mistérios da criação artística. Sobre os mistérios da vida.
E por falar em vida, sábado agora faz onze anos que minha mãe morreu, num sábado de feriado prolongado. Mas sem melancolia, até porque fazer poesia sobre mãe, diria meu professor de redação, é a coisa mais cafona que existe. Na verdade me lembrei dela não por sua partida (para onde?), mas porque conversávamos, Valéria e eu, sobre músicas de origem. Assunto amplo. Qual origem?, nascimento, casamento, dores, origem do mundo? A música de origem do mundo seria o eterno sinal que o big-bang emite pelo espaço em ondas ultra-secretas, ou seria o ressoar do sono de Vishnu, ou o verbo repetitivo da gênesis? Mas estou divagando e fugindo do assunto. Como eu estava dizendo, fiquei pensando em música de infância, quem sabe uma canção de ninar ou da creche. Algumas surgiram saltando na memória, como a da pulga e do percevejo, ou as cantigas de roda corre - cotia, fui no Itororó e deixei a morena (se era linda, porque não levei?). Mas estas eram cantigas comuns, isto é, todo mundo em algum momento da existência cantou isso, não me parecia nada marcante. Repeti comigo outras coisas que minha mãe cantava, e ela cantava o tempo todo.
Cantarolei era um garoto que como eu...
Murmurei para o rei do gatilho, Kid Morangueira (quem não conhece que procure)...
Vieram conversando Papai Walt Disney e Monteiro Lobato, os dois varandeando no sítio...
Foi quando surgiu aquela letra tão sem ritmo, mas tão incrível. Algo que minha mãe cantava e guardei comigo para momentos de cabeça vazia ou distração. Procurei no oráculo dos nossos tempos, o Google, a origem da minha recém-eleita música de origem. Ele não conhecia. E se ele não conhecia ninguém mais saberia, que puxa! Perguntei então pra minha tia, irmã da mãe, sobre a cantiga. E ela não só sabia de cor, como cantou comigo e me deu sua explicação: era música cantada na escola infantil no tempo em que minha geração anterior a frequentava. Isto é, era a música de origem da minha origem. Ufa. E era assim:

“Era noite, o sol nascia
um velho bem moço
calado, dizia
que o mundo
é uma bola quadrada
que gira parada
em torno de si”

Esse poema ensina a anti-lógica, o mundo das possibilidades, manda Aristóteles ir cuidar do jardim e deixar de pensar besteira. Me ensina a origem de olhar para o mundo com o olhar torto da poesia. E rememorá-la me fez entender que está tudo certo chover quando nada aponta para isso numa manhã de sol frio.

2 comentários:

  1. QUE LINDO E QUE SENSÍVEL. EU TAMBÉM ME PEGUEI LEMBRANDO DAS MINHAS CANÇÕES DE ORIGEM E VI COMO ESTOU CONTAMINADA DE TREM DA ALEGRIA HA HAHA...

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