Artes Visuais

sábado, 12 de maio de 2012

Longa Metragem - Capítulo II


Maria Eduarda casou-se com Luiz, da família Peres da Cruz, donos do único jornal da cidade. Quando Jandira nasceu, o pai tinha outras mulheres que torciam para que a mãe fosse neutra e não gerasse o filho. Amaldiçoavam, grunhiam, o que no fim não deu certo nem por simpatia nem por mal-dizer de benzedeira. Aperfeiçoamento da mãe, a menina era linda desde sempre. O pai se apaixonou pela pequena, mandou que um fotógrafo do Rio de Janeiro lhe fizesse um álbum. Passava horas atento às correrias da menina. Ao contrário do que fariam crer no futuro, Jandira não era nada acanhada, subia em pés de jabuticaba e se lambuzava, enquanto atirava caroço no pai que, abobado, restringia-se a se defender. Jornalista, deixava estampar vez ou outra a foto dela nas edições do Correio do Norte, na maioria dos casos ilustrando reportagens que nada tinham com a imagem. Apesar de dispensar horas à mãe e filha, nem por isso deixou de freqüentar outras casas. Não que Maria Eduarda não soubesse. Em verdade, toda vez que o encontrava saindo de casa alheia, era levado ao arrependimento com a ameaça de sumirem, mãe e filha, no próximo trem.
Foi quando Esmeraldina, filha única do velho Simão das Avencas, aquela dos olhos cor do nome, apareceu na cidade após uma viagem de quase um ano. Trazia uma criança no colo, uma menina de cabelos muito pretos como o da irmã Jandira. A notícia não tardou a chegar aos ouvidos de Maria Eduarda: tudo o que era de quebrar foi quebrado, em casa e no casamento. Luiz recebeu sua parcela de ódio de mulher traída, mas nada que lhe parecesse mais do que o justo. Agora era diferente, gritava ela, poderia aceitar qualquer amante ligeira, mas nunca outro filho dele: exigia o divórcio. Foi o maior escândalo de Itaponga até então, nenhum casal jamais tinha se divorciado. Indiferente à tradição, a mulher foi a pioneira de toda uma região, ainda que o acordo tenha favorecido muito mais à ele. Maria Eduarda ficou com um pouco mais do que nada. Tinha, entretanto, um trunfo sobre o ex-marido: era preciso que ele vivesse próximo dos seis anos da filha. A mãe não fazia questão de encontrá-lo e não titubeou quando seu pai lhe ofereceu uma estadia em Paris durante o final daquele ano. Passaria as festas por lá e voltaria tão logo começasse o seguinte. O natal encontrou Luís com taquicardia, que se transformou em tremedeira em janeiro. Em março, como mãe e filha prolongavam a viagem e a bebida da noite prolongava as estadias nas pernas de outras, o jornalista caiu de braços abertos na tuberculose, doença já antiga que, com a força da novidade, não o deixou chegar até uma estação de repouso: cerrou os olhos antes de rever a menina.

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