Lili é um
asterisco, riscos de pouca definição. É minúscula, lépida e sem rosto. Assim
ela dispara a correr nos meus primeiros anos.
Depois, já no
apartamento, o pai trouxe a Bianca, a primeira da dinastia, precursora da
tradição. Branca, cheia de círculos, hábito de se guardar no subsolo do sofá.
Era cheia de graça - que trouxe do próprio fato de existir, sem ter aprendido
com alguém. Bianca foi junto à família viver em Mococa, cidade de ruas de terra
colorindo suas orelhas. Lá descobri a reprodução em massa da espécie, uma caixa
de papelão servindo de berço aos que chegavam (logo seriam espalhados pelo
mundo). Um dia, uma chuva, uma árvore, um muro derrubado, um carro e Bianca não
mais.
A presença da
ausência se transformou em regresso: Catuxa, saída da anterior, regressava ao
chão natal por desentendimento com a família que a levara. Faltando um pedaço,
feito à mãe, vinha preencher novamente a casa com pelos e truques. Mas no
emaranhado de desejos, entre a saída de Bianca e a chegada de Catuxa, mais três
apareceram. Primeiro uma baixinha e malhada que chegou logo após o
atropelamento da primeira: ganhou um nome, que por piada foi substituído: ficou
Maconha! Esse nome grudou de tal maneira que ainda hoje não lembro o primeiro
nome escolhido. Veio ainda Yasmin, filhote fraco que prometia atamanhar. E de
lambuja, a própria mão dela, já adulta e nos arredores da morte. Maconha ganhou
novo lar (até hoje não sei exatamente o que aconteceu), Yasmin foi enterrada
sob a árvore e Lassie sobreviveu imensamente.
Catuxa
pequena e Lassie inteira. Setter Irlandês, porte nobre e calmo. Até demais.
Lassie era tão carinhosa quanto preguiçosa, se esbaldando de sol e afago. Vivia
arrastada, tanta a manha de viver. Quando na mudaça para nova casa, assustou-se
e caiu do caminhão. Agitada, Catuxa só assistia.
Bianca gerou Catuxa que gerou Balu, uma que me ensinou que não era natural sua raça não ter rabo.
Bianca gerou Catuxa que gerou Balu, uma que me ensinou que não era natural sua raça não ter rabo.
Quando do
retorno a São Paulo, ao apartamento mínimo, Lassie ganhou mais sombra ficando
em uma fazenda no interior. Balu ficou com os parentes de lá e só Catuxa migrou
para a capital. Mas a doença de minha mãe já não podia com o pó e o pelo.
Catuxa mudou de história. E logo minha mãe também virou reminiscência.
Por costume
de lugar pequeno, chegou a Mell, que não era parente, mas continuava a vontade
de poodles naquele andar. Mell diminuta, cauda curta, urina fora de hora. Cinco
anos minha companheira de cama, uma vez que ambos dormíamos ao rés-do-chão. Fui
viver outros quintais, mas Mell ficou: engordando, chorando de boba, implicando
com o pássaro, ocupando cantos.
Retraçando o
território: Lili, Bianca, Catuxa, Maconha, Balu, Yasmin, Lassie, Mell. Fora os
visitantes: Senhorzinho, Laica. E os atuais: Guna e Blog, tão presentes em tudo
que crio, dois que estão em cada palavra que escrevo.
Esta semana
Mell se esgotou. A primeira da narrativa a chegar ao fim pelo tempo, a
continuar por perto até a idade deixar. Até deixar vestígios de sua passagem no
vazio do caminho. Os cães tem ocupado um lugar de parte do bando em minha
família. Uma parte que nos leva a querer uivar à lua cheia quando fazem falta.
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