Artes Visuais

quarta-feira, 1 de novembro de 2017

Sobre o tempo (e o vento)



Resultado de imagem para o guardião do tempo pintura
"O Guardião do Tempo e seus Capangas Relógios" - Jacek Yerka 
Por vezes tenho a nítida percepção de que estou inserido no tempo. Não sei se me faço entender, eu mesmo já tentei poemas e outras tessituras, mas sempre me escapa a imagem exata para descrever essa consciência. Essa: de que estou atravessado pelo tempo. Não se trata de reconhecer a marcha da existência humana, é uma sensação sem história, sem História.

Não sei precisar a primeira vez que fui mergulhado no Tempo. Memória é coisa fugidia, como é próprio do tempo. Talvez naquela noite, criança ainda, em que deitei num domingo, pronto para dormir, e fui passando em revista como seria aquela semana. Escola. Brincadeiras. Visitas? A ideia da rotina começou a me assombrar: a visão de que se seguiriam dias divididos entre manhã, tarde e noite, enfileirados em segunda-terça-quarta-quinta-sexta-sábado-domingo, ordenados nos mesmos doze meses dos anos passados e futuros. Naquela noite não completei meu sono. Como poderia fechar os olhos sabendo que a ordem se repetiria com pequenas variações que, ao se repetirem também, seriam somente mais um aspecto dessa gagueira do tempo.
Lembro um dia, véspera do meu aniversário de doze anos. Estava ansioso pela data, sempre gostei de aniversário, um ano-novo pessoal que deveria ser comemorado qual feriado sagrado. Calendário, eu sei, convenções para nomear aquilo que procuro compor com imagens. Ainda assim, aniversário é, para mim, um dia suspenso, o único dia que não tem nome nem número além do nome e idade de quem sopra velas. Pois bem, naqueles onze anos e 364 dias eu tomava banho, pensava no bolo que viria logo mais, as felicitações. E na fricção do sabão com a pele, o tempo me tomou outra vez (não é essa a imagem adequada) e atentei que aquela era a última vez que eu tomaria banho tendo onze anos. E segui esse mote: a última janta, o último filme, a última risada, a última meia-noite. Enfim, a primeira palavra dos doze anos...

Pode parecer, mas não é nostalgia nem saudade, não é um olhar para trás sempre em despedida, nem uma mirada futura cheia de planos. É a pausa, ou antes, é um pouso no presente, no que chamaria de “presente absoluto” (se ao menos coubesse no meu dizer algo permanente, uma palavra estática que descrevesse a impossível fixação cronológica).
Recorro sempre à busca por uma paisagem, algo que descreva esse mergulhar. 

Houve uma vez em que, recém-apaixonado, estava abraçado com ela, conversando amenidades. Uma folha seca desprendeu-se da árvore sob nossas cabeças e veio caindo, espiral lenta rumo ao chão. Precisava contar para ela o que aquilo representava para mim, mas me atrapalhei na tradução e meu espanto transformou-se numa piada.

Isso tudo me vem novamente quando estou sentado no banco alto do ônibus, uma tarde fresca de primavera e um vento gelado me beija o rosto. Um vento antigo, penso. A impressão de que aquele vento esteve ali, naquele mesmo espaço da Avenida dos Estados, em outras ocasiões, assobiando para matos, levantando redemoinhos, transportando ciscos e esfriando outros rostos. O mesmo vento, como se fosse o sol sobre o mesmo planeta desde o início, um vento de milhões de anos, um vento do início do ano, um vento para o próximo século, um suspiro do tempo na minha pele. E essa ainda não é a imagem que procuro.

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