Quando finalmente fomos morar em
uma casa com um quintal lateral, meu pai providenciou um laboratório feito de
madeiras velhas e papelão. Um resto de estante guardava maçarocas de folhas,
misturas de produtos de limpeza e anotações de observações aleatórias. Naquele
instante, escrever perdeu a força. O que interessava era descobrir do que era
feito o mundo, o que havia além da lua, pensar como alguém vivia em paz sabendo
de nossa pequeneza espacial, de nosso rodopiar do nada ao nada. Era disfarçada
de teologia a filosofia que já ameaçava nascer em mim.
Foi quando cheguei ao Fundamental
II, aquele momento da escola em que uma única professora não era o suficiente
para caber todo conhecimento. Surgiram disciplinas que desconhecia: física,
química, biologia. Matemática. A existência dos números em meio ao X, ainda
hoje é, para mim, um absurdo da linguagem. O que tem um X que se meter com
números? A matemática jamais fez parada em mim, no máximo passava correndo,
deixava cair uma ou outra equação que eu teimava em guardar, mas logo acabava
no limbo do esquecimento. E a passagem dos anos só fez piorar minha relação com
o que almejava: embora fosse ainda atraído pela ciência, ela me desprezava, com
seus múltiplos braços numéricos, seus olhos de hipotenusa. A Força-Escritura
ganhou velocidade e me encheu de energia, gritando: faça isso.
Muito depois, já fazendo teatro,
estudando artes, rascunhando frases, descobri a poesia. E com ela (prima-irmã
da filosofia que também ganhava corpo), encontrei modos de dar forma aos meus
pasmos. Continuei um investigador, não mais lidando com frações, mas dançando
teorias, sons e figuras. Penso que se tivesse estudado em uma escola de melhor
qualidade; se tivesse mais paciência comigo e com os números; se tivesse outros
tantos Se’s, talvez tivesse me tornado um cientista de exatas, um geólogo,
neurocientista. Não me ocorriam as Ciências Humanas, pois nada que era humano
me parecia passível de se tornar científico.
Entendia o ser humano como meio, isso é, estava entre o absolutamente
minúsculo - dos átomos e bactérias – e o infinitamente gigantesco dos buracos
negros e dimensões.
Nem por isso
virei a cara para quem eu queria. Continuei vendo documentários, lendo artigos,
livros. Chegaram a mim as falas afetivas de Carl Segan, Neil deGrasse Tyson e Stephen Hawking, físicos que beiravam a poesia quando
explicavam conceitos; ao lado deles, vieram Haroldo de Campos, Ferreira Gullar,
João Cabral de Melo Neto, poetas da matéria, que por vezes sopram conceitos
científicos. Nessa alquimia descobri que não estava tão longe, havia uma
ligação nessas relações: a escrita nasceu com a ciência, para mim, dos mesmos assombros.
E esse vínculo abarcava, sobretudo, a humana percepção de saber-se travessia num
mistério sem fim.
Talvez seja
mesmo infinito o universo, no entanto não o tempo da vida. Hoje morreu Stephen
Hawking, depois de passar a maior parte da existência assolado por uma doença
que o fechou fisicamente, mas expandiu sua mente para recônditos do cosmos. Morreu
no mesmo dia em que, no Brasil, se comemora (ou já se comemorou? há o que se
comemorar?) o Dia Nacional da Poesia. E esse vínculo, cogito, deve ser parte da
teoria de tudo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário