Artes Visuais

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Leituras: A Desumanização, de Valter Hugo Mãe


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Pudessem as palavras do poeta ser casa e outro corpo, ser lugar e caminho, companhia e prova tão simples da existência divina. Pudessem aquelas palavras ser de levar sobre a cabeça, contra a chuva e contra o frio, e servissem para levar à boca e engolir, a matar todas as fomes, ou servissem de beber, a matar todas as sedes. Os poemas, dizia o meu pai, podem ser completos como muito do tempo e do espaço. Podem ser verdadeiramente lugares dentro dos quais passamos a viver.

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Sobre a beleza o meu pai também explicava: só existe beleza no que se diz. Só existe a beleza se existir interlocutor. A beleza da lagoa é sempre alguém. Porque a beleza da lagoa só existe porque a posso partilhar. Se não houver ninguém, nem a necessidade de encontrar a beleza existe nem a lagoa será bela. A beleza é sempre alguém, no sentido em que ela se concretiza apenas pela expectativa da reunião com o outro. Ele afirmava: o nome da lagoa é Halla, é Sigridur. Ainda que as palavras sejam débeis. As palavras são objectos magros incapazes de conter o mundo. Usamo-las por pura ilusão. Deixámo-nos iludir assim para não perecermos de imediato conscientes da impossibilidade de comunicar e, por isso, a impossibilidade da beleza. Todas as lagoas do mundo dependem de sermos ao menos dois. Para que um veja e o outro ouça. Sem um diálogo não há beleza e não há lagoa. A esperança na humanidade, talvez por ingénua convicção, está na crença de que o indivíduo a quem se pede que ouça o faça por confiança. É o que todos almejamos. Que acreditem em nós.

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