"O Guardião do Tempo e seus Capangas Relógios" - Jacek Yerka |
Não sei precisar a primeira
vez que fui mergulhado no Tempo. Memória é coisa fugidia, como é próprio do
tempo. Talvez naquela noite, criança ainda, em que deitei num domingo, pronto
para dormir, e fui passando em revista como seria aquela semana. Escola.
Brincadeiras. Visitas? A ideia da rotina começou a me assombrar: a visão de que
se seguiriam dias divididos entre manhã, tarde e noite, enfileirados em
segunda-terça-quarta-quinta-sexta-sábado-domingo, ordenados nos mesmos doze
meses dos anos passados e futuros. Naquela noite não completei meu sono. Como
poderia fechar os olhos sabendo que a ordem se repetiria com pequenas variações
que, ao se repetirem também, seriam somente mais um aspecto dessa gagueira do
tempo.
Lembro um dia, véspera do meu
aniversário de doze anos. Estava ansioso pela data, sempre gostei de
aniversário, um ano-novo pessoal que deveria ser comemorado qual feriado
sagrado. Calendário, eu sei, convenções para nomear aquilo que procuro compor
com imagens. Ainda assim, aniversário é, para mim, um dia suspenso, o único dia
que não tem nome nem número além do nome e idade de quem sopra velas. Pois bem,
naqueles onze anos e 364 dias eu tomava banho, pensava no bolo que viria logo
mais, as felicitações. E na fricção do sabão com a pele, o tempo me tomou outra
vez (não é essa a imagem adequada) e atentei que aquela era a última vez que eu
tomaria banho tendo onze anos. E segui esse mote: a última janta, o último
filme, a última risada, a última meia-noite. Enfim, a primeira palavra dos doze
anos...
Pode parecer, mas não é
nostalgia nem saudade, não é um olhar para trás sempre em despedida, nem uma
mirada futura cheia de planos. É a pausa, ou antes, é um pouso no presente, no que
chamaria de “presente absoluto” (se ao menos coubesse no meu dizer algo
permanente, uma palavra estática que descrevesse a impossível fixação
cronológica).
Recorro sempre à busca por uma
paisagem, algo que descreva esse mergulhar.
Houve uma vez em que, recém-apaixonado, estava abraçado com ela, conversando amenidades. Uma folha seca desprendeu-se da árvore sob nossas cabeças e veio caindo, espiral lenta rumo ao chão. Precisava contar para ela o que aquilo representava para mim, mas me atrapalhei na tradução e meu espanto transformou-se numa piada.
Houve uma vez em que, recém-apaixonado, estava abraçado com ela, conversando amenidades. Uma folha seca desprendeu-se da árvore sob nossas cabeças e veio caindo, espiral lenta rumo ao chão. Precisava contar para ela o que aquilo representava para mim, mas me atrapalhei na tradução e meu espanto transformou-se numa piada.
Isso tudo me vem novamente
quando estou sentado no banco alto do ônibus, uma tarde fresca de primavera e
um vento gelado me beija o rosto. Um vento antigo, penso. A impressão de que
aquele vento esteve ali, naquele mesmo espaço da Avenida dos Estados, em outras
ocasiões, assobiando para matos, levantando redemoinhos, transportando ciscos e
esfriando outros rostos. O mesmo vento, como se fosse o sol sobre o mesmo
planeta desde o início, um vento de milhões de anos, um vento do início do ano,
um vento para o próximo século, um suspiro do tempo na minha pele. E essa ainda
não é a imagem que procuro.
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