Artes Visuais

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

Demiurgo

foto de Júlio Cordeiro / agencia RBS
Fui ver porquê disseram que o velho era milagreiro. Devia ser: a casa era pequena, mas toda gente cabia e se multiplicava. O cheiro de vela era pesado e o chão, todo ensebado de brancura, fazia os pés vacilarem.
O velho morreu seis vezes e ressuscitou sempre, por isso era santo.
Levei foto para pedir benção, curar minha vó. Ela derretia por dentro, logo se apagaria sem chance de volta. Falei isso ao velho. Ele estava na cama: seco, sem dente, nervoso de tanto extinguir-se e voltar a existir. E daí que rasgou as fotos e jogou aos céus.
Os devotos se atropelavam, ababelados em quedas próprias. Pegaram pedaços do retrato e comeram. Eu também engoli sem mastigar, hóstia com o olho da vó. Também aquilo tinha gosto de vela e vomitei no peito do milagreiro, que mesmo fraco, brotou um tapa na minha cara. Meu sangue manchou o chão e eu desejei que o velho nunca mais morresse, só pra ter que aguentar a vida de messias por séculos e séculos, amém.

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